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Um dia lá ...LeKaMoJú

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Um mundo feminino entre a razão e as paixões




            Nos anos finais da década de 1960, com distinção para o ano de 1968, diversos grupos de pessoas construíram experiências de vida individuais e coletivas que, afrontando valores tradicionais vigentes da época, alteraram a ordem daqueles tempos. O destaque para 1968 é porque ele foi muito mais que um ano do calendário civil, foi e ainda é um símbolo que como tal continua assim: inacabado. Pelo mundo afora, 1968 foi, sobretudo, um tempo simbólico que produziu euforias, paixões, esperanças, utopias e também desencantos. Foi “um mundo em movimentos, conflitos, projetos e sonhos de mudanças, gestos de revolta, lutas apaixonadas: revolução nos costumes, na música, nas artes plásticas, no comportamento e nas relações pessoais, no estilo de vida, e nas tentativas novas não apenas de derrubar o poder vigente, mas de propor uma relação diferente entre a política e a sociedade”. (REIS FILHO, 1998:11).

            No Brasil, que vivia uma ditadura civil-militar há quatro anos, várias manifestações estudantis e as greves operárias de Contagem (Minas Gerais) e Osasco (São Paulo) assustaram os militares. Ademais, o discurso do então deputado federal Márcio Moreira Alves, no Congresso Nacional, serviu de afronta às Forças Armadas.[1] Era uma afronta ao sentimento nacionalista e uma ofensa moral às Armas. Sentindo-se insultadas, esses acontecimentos, entre outros, serviram de pretexto para que o governo ditatorial estabelecesse um mecanismo mais rigoroso com a finalidade de rechaçar atitudes políticas consideradas intoleráveis. Assim, mediante a negação da Câmara Federal para processar o parlamentar, o então presidente-general Artur da Costa e Silva, em 13 de dezembro anunciava o Ato Institucional nº 5, pelo qual era implantado um intenso controle repressivo na vida política e social do país.

           Esse texto trata da experiência de militância de esquerda de uma estudante que na sua juventude acreditou ser possível construir um mundo onde coubessem criadores e criaturas, igualmente. Com pouco menos de vinte anos, a jovem estudante Jane Vanini se deslocou da cidade de Cáceres, estado de Mato Grosso, para buscar outros sentidos de vida, na cidade de São Paulo. É importante salientar que, nessa época, no imaginário de muitos jovens oriundos de comunidades pequenas, São Paulo se apresentava como o lugar que prometia condições sociais e econômicas capazes de professar um futuro promissor para todos que a escolhesse. Ela representava o discurso e o lugar das aspirações humanas, nos quais "o urbano – uma extraordinária codificação de comportamentos e de condições gerais da realização do capitalismo – possui uma expressão material e social que o aproxima, na experiência contemporânea, da totalidade”. (RIBEIRO, 2001:359)


         Foii com essa interpretação que, entre os anos de 1964 e 1965, aproximadamente, Jane Vanini chegou à capital paulista. Em 1968, já casada com Sérgio Capozzi, no ano seguinte, entre discordâncias e desencontros, o casal se separou, Adélia seguiu na luta, se transformou em Ana, conheceu o jornalista José Tapia Carrasco – Pepe –, que passou a ser seu segundo marido e ingressou no Movimiento de Izquierda Revolucionário – MIR, cujas ações políticas eram balizadas pelas experiências cubanas incorporadas à formação de seus militantes. Nos Andes, ela participou ativamente da experiência chilena, que se configurava como um tempo de transição do capitalismo para o socialismo e tinha como dirigente, o presidente eleito Salvador Allende, em 1970.Com o golpe de estado, em setembro de 1973, a militante Jane Vanini se tornou clandestina pela segunda vez e, fugindo das perseguições policiais-militares da ditadura do general Augusto Pinochet Ugart, ela se refugiou na cidade de Concepción, até a noite de 06 de dezembro de 1974, quando as forças repressoras cessaram tragicamente as convicções e os sonhos políticos de Jane - Adélia - Ana - Carmem - Gabriela - Tereza... (nomes que ela usava no percurso da clandestinidade). Durante dois anos, a família Vanini quase não teve notícias de Jane. Nesse espaço de tempo, as autoridades repressoras invadiram e ocuparam seu apartamento em São Paulo, as irmãs assinaram termos de depoimentos na OBAN, as famílias foram vigiadas e a militante, juntamente com seu marido Sérgio, foram processados e condenados pela justiça militar, acusados de crime contra a lei de segurança nacional. Como mulher e como estudante Jane escreveu a história de sua militância de forma muito particular: através de cartas enviadas do Chile para a família. Do outro lado da linha, também havia uma outra mulher forte que tentava conviver e superar as adversidades: Dulce Vanini, a irmã mais velha de Jane, que residia em São Paulo, pra quem as correspondências eram frequentemente enviadas. Embora Dulce tenha sido a receptora das cartas, várias correspondências foram endereçadas a outros destinatários como irmãos, pais, sobrinhos, cunhados e tios. Mesmo distante fisicamente, Jane procurou manter-se próxima do convívio familiar, usufruindo do afeto que nunca se modificou. Alguns trechos que registram esses sentimentos parecem diálogos quase que pessoalmente com o pai. É uma conversa de gente grande com jeito de menina que procura a proteção paterna:    Outro dia escutei uma música argentina, com um cantor argentino chamado Piero é muito bonita. Quando puder vou comprar o disco e quando puder vou enviarte. Tem uma parte que diz: Viejo, mi querido viejo... e quando a escutei me lembrei do senhor. (carta datada de 31/10/72, assinada como Ana)

         Pedi a madrinha que traga aquele fichário que o senhor me encadernou. Tomara que ainda esteja por aí. Não quer me fazer uma alpercata ou um tamanco daqueles que o senhor me fazia no sítio? Gostaria bastante. (Carta sem data, assinada por Ana)
         É verdade que nós dois nunca conversamos e realmente nunca um chegou ao outro e disse abertamente tudo que pensava, mas creio que o senhor é mais forte que os outros, pelo menos eu sempre aprendi a respeitá-lo por sua coragem, sua honestidade, em tudo que o senhor faz. Sua dedicação por fazer um trabalho bem feito, qualquer que seja, desde que assuma o compromisso de fazê-lo é uma coisa que pretendo imitar ao pé da letra. Sua coragem em não temer ao perigo se crê no que faz pode chamar mesmo valentia e junto com sua honestidade absoluta são coisas admiráveis. E por tudo isso creio que apesar de velho, o senhor é o mais forte e posso refugiar-me em sua fortaleza para contar-te esse pequeno período. (Carta sem data, assinada por Ana)
      Tenho muitas saudades de todos vocês. Eu os quero muito e esse amor que lhes tenho é multiplicado quando vejo alguma criança como os sobrinhos ou os companheiros mais velhos com a idade de meus pais, ou de meus irmãos e irmãs. Espero que algum dia estejamos juntos e livres mas se não alcançamos, não importa tanto, importa realmente que a sociedade que legamos aos nossos ‘herdeiros’ possua muito de nós mesmos, do nosso esforço, de nossos ideais, de nosso amor. (Carta datada de 15/09/72, sem assinatura)

 
            Jane Vanini era uma militante que agia o tempo todo. Fosse trabalhando para assegurar sua sobrevivência pessoal, na luta política para a construção do socialismo chileno, nos grupos voluntários que atuava em creches, escolas, ruas, armazéns, na vigília das fábricas e instituições públicas, fosse nas lides domésticas, ela era uma pessoa de constantes ações. O conteúdo das cartas expõe os múltiplos arranjos de vida construídos por ela nos espaços público e privado, os quais davam conta de ajustar simultaneamente a militante, a companheira, a voluntária, a trabalhadora e a mulher que cozinhava, costurava, fotografava-se e, em especial, não abdicava de sua singularidade feminina.
        Na intimidade com as palavras, Jane Vanini apresentou as marcas de sua individualidade e com isso construiu a imagem de si mesma. Entre outros aspectos, ela serviu-se da linguagem epistolar para pronunciar e firmar, de maneira espontânea, sua condição e natureza feminina revelando as vaidades e os prazeres pessoais, muito embora esses aspectos fossem tomados como frivolidades nos espaços da militância. Num de seus registros, uma ênfase muito particular para uma peça de roupa: a saia.
        A saia negra de crochê (carta 28) lhe fazia muita falta num guarda-roupa um tanto desfigurado, mas era uma saia escocesa que parecia polir sua estima: Em relação ao envio de roupa...[...] E aquela saia xadrez escocesa que eu tinha, muito bonita, que comprei no Mappin, enviesada e que eu vestia muito, que foi feito dela? A encontraram? Essa eu gostaria que me mandassem se está por aí...(carta 04). Ao que parece, Jane sentia-se bonita usando essa saia. A descrição dos detalhes xadrez, bonita, enviesada e de uso freqüente, revela um estilo de apresentação em público e o gosto pela sua definição estética. Era um traje que emitia sentidos de afeto, bem-estar e elegância feminina. Tanto era assim, que para a companheira do convívio diário convinha presenteá-la com uma peça contendo características similares:  Quero pedir-lhe mais um favor, que quem sabe saia um pouco caro, mas no caso vale a pena. A companheira com a qual vivemos está louca por uma saia de xadrez escocês, mas não gostou de nenhum dos que encontramos, assim é que se virem por aí um escocês com bastante cores diferentes e bonito, não precisa ser de lã tão grossa como a minha, pode ser de lã um pouco mais fina, por favor, comprem um corte para ela e mande para cá, tá. Quando vierem por aqui eu a pagarei. Acho que uns 60 cm dá e sobra. (Carta sem data)
          Percebe-se aqui o imperativo dos territórios femininos, os quais sugerem pensar a sensualidade da mulher. Seja curta ou comprida, a saia é um objeto que, para a sociedade latino-americana, remete sua significação à feminilidade, à estética e ao erotismo do corpo. Era muito em função desses signos de modernidade, incorporados à vida diária, que Jane, ao tratar de uma possível viagem de Dulce ao Chile, observou e descreveu o estilo feminino das chilenas:

          Aqui usa tudo muito apertado e curto no caso de blusa.(carta 07) ...Aqui se usa basicamente calça comprida para tudo: trabalho, cine, passeios, festas boates, etc.[...] em janeiro o tempo é mais quente aqui e o verão é realmente de lascar [...] os modelos aqui são bonitos e tem um corte bonito também. [...] Aqui não se usa sapatos de salto alto, usa bastante sandálias no verão e uma bolsa esporte sempre... Aqui existem muitas coisas típicas bonitas, principalmente de lã, coisas feitas 1ª mão como bolsas, ponchos, blusas, meias, etc., (Carta datada de 06/07/73, assinada por Ana)



Entre as vidas vividas por Jane, a de militância foi a mais tensa e a mais intensa. As vivências escritas reúnem suas surpresas do tipo:



não podem imaginar como esta vida em Chile me serviu de uma grande experiência. Estou vendo coisas como se tivesse em um laboratório social. Outro dia fiquei entre dois grupos que quase começam a lutar. (Carta datada de 07/09/72, assinada por Ana)



E o começo dessa militância, certamente, foi via movimento estudantil, em São Paulo. Jane e Sérgio eram estudantes; ele, aluno da Escola Politécnica da USP e ela, estudava no Grêmio Estudantil de Filosofia, pois desejava fazer o curso de Ciências Sociais.

        Vocês se perguntarão que faço no exterior se me interesso tanto pelo Brasil. Eu lhes explico: Nós pertencemos a um continente a quem se chama genericamente por América Latina. Essa América Latina tôda tem as mesmas questões raciais que nós do Brasil. Fala um idioma muito parecido e que teve também as mesmas origens. Sofremos as mesmas enfermidades, analfabetismo, fome, velhice prematura, dentição podre, e principalmente o nosso inimigo fundamental é o mesmo: o ianque. Eu sou latinoamericana e amo igual ao mestió, ao crioulo, ao índio, ao negro, ao asiático, ao branco, que entraram na mesma formação. E meus irmãos são todos os latinoamericanos e por êles estou disposta a dar até mesmo a única coisa que realmente possuía: a vida. Digo possuía pois uma vez que uma pessoa contempla as coisas que presenciei e tomei a decisão que tomei, não possui mais nada além do desejo de mudar tudo, não importa a que preço. E como sou latinoamericana, dar na mesma estar no Chile ou no Brasil, ou Venezuela, ou México, ou Bolívia ou qualquer outro, pois cada país livre apressará a liberdade dos outros. Cada território liberado é uma frente de luta para prosseguir lutando. (Carta sem data e sem assinatura).

         Essa era, portanto, a forma de percepção do mundo político-social com que os grupos de militantes se apropriavam e, estrategicamente, elaboravam seus discursos e legitimavam-nos por intermédio das práticas de lutas clandestinas. Esses procedimentos Chartier define como forma de apropriação do mundo e “tem por objetivo uma história social das interpretações, remetidas para suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem”. (CHARTIER, 2001:26)


        É fundamental, porém, ressaltar que nos primórdios do movimento estudantil este não era uma contingência de partidos políticos de esquerda, tampouco se instituía para confrontos com os governos vigentes. Menos preocupados com as lutas pelos poderes institucionais, a juventude estudantil surpreendia vários lugares do mundo ao manifestar suas desesperanças e indignações para com as condutas políticas e relações sociais existentes na época. A ruptura com um mundo considerado utilitarista levava os estudantes a explodirem suas indignações em múltiplos e simultâneos espetáculos contestatórios.

                   Jane Vanini ingressou na militância de esquerda pela porta do movimento estudantil paulista. No Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP, a militância política acontecia para além das fronteiras universitárias, especialmente porque as atividades acadêmicas se misturavam com as produções artísticas e culturais da época, e também porque, entre 1965 e 1968, as universidades se constituíam como lugares de discussões e ações políticas.

              Longe de ser regra geral, era frequente a existência de conflitos que demarcavam gerações de jovens que contestavam convenções, normas sociais e valores tradicionais vigentes nas sociedades a que pertencem. O movimento estudantil (década de 1960) contestava as ações e propagandas institucionais, o conceito de civilização superior, as marcas do autoritarismo e a ortodoxia política. Recusava também as hierarquias sociais, além de negar a crença no progresso material e a submissão às produções científicas e às invenções tecnológicas que estivessem a serviço das catástrofes humanas como, por exemplo, as guerras. Assim, a contestação era a marca desse tempo e dessa gente.
                 O mundo parecia sacudido por inquietações: a Europa Ocidental se incomodava com os repúdios ao modelo de sociedade tradicional; os Estados Socialistas desconcertavam-se no possível desabamento de seus controles burocráticos; as Comunidades Asiáticas assistiam a disposição e a combatividade de seus grupos ao questionarem a coesão social, uma vez que pensavam ter consolidado uma unidade nacional; a América Latina experimentava os movimentos revolucionários que, como outros lugares do mundo, traduziam-se em lutas de libertação nacional.

               O Brasil, surgiram várias organizações de esquerda que conspiravam a tomada do poder. A experiência revolucionária parecia entalhar em cada militante uma capacidade criadora de superação de seus próprios limites e uma crença na possibilidade de efetivação dos sonhos. O imaginário dos militantes conseguia ultrapassar horizontes intransponíveis como, por exemplo, o poderio dos arsenais militares e visualizar um mundo, quase harmônico, que apresentava uma disposição política diferente, ou seja, uma dimensão das relações entre as pessoas e as instituições que fossem permeadas pela justiça social. Essa concepção apareceu nas palavras de Suzana Lisboa, companheira de militância de Jane Vanini:

           A luta armada pensada como resposta a um governo ditatorial, na qual se planejavam grandes enfrentamentos e batalhas decisivas de uma guerra iminente, a idéia de guerrilhas era parte da utopia construída pelas organizações de esquerdas brasileira. As ações guerrilheiras – boa parte delas praticadas por jovens oriundos de grupos estudantis – desenhavam a dimensão simbólica da época: os assaltos a bancos e trens pagadores, ataques a Quartéis, sequestro de políticos de representação internacional, o episódio do Calabouço, Passeata dos Cem Mil, Congresso de Ibiúna, entre outros, configuravam os cenários de lutas e faziam acreditar numa perspectiva de eficácia e sucesso sobre a ditadura militar.

Nos registros da militante Jane Vanini, aparecem essas ações simbólicas:



                 Nessa época todo mundo olhava os assaltos a bancos, as bombas contra as empresas exploradoras, etc., com grande simpatia e o povo começava a entrar para nossas filas. Porque assim é que sempre foi. Se começa em grupo pequeno, mas se mostra ao povo que se está lutando por ele e então o povo começa a ter coragem e a compreender as coisas e começa a lutar. (Carta sem data e assinada por Jane)  O fragmento expõe sua imaginação utópica. A luta revolucionária era um caminho propositivo que, acontecendo daquela forma, palmilhada sobre tais procedimentos, possibilitava alcançar a vitória final. A imaginação utópica mergulha o indivíduo na busca incessante pela materialização de um desejo, e o desejo de Jane e de outros tantos militantes estava colado no projeto revolucionário, na vontade de experimentá-lo e na crença de sua consecução. Era a interseção entre a vida e o sonho, e por isso mesmo produzia sentidos mútuos. No campo político, a imaginação utópica, é o “elemento de impulso das invenções, das descobertas, mas também das revoluções.” (TEIXEIRA COELHO, op. cit., 82)
                   Certamente a construção de utopias possíveis não se devia à contribuição de pessoas iluminadas que apareciam com postulados revolucionários nas práticas da luta, mas era oriunda da interpretação de modelos socialistas em vigência e, sobretudo, da forma com que cada militante se apropriava da idéia de revolução e da forma como a representava. Essas construções mentais eram artifícios de um mundo simbólico que produzia sentido numa articulação entre linguagem, símbolo, imaginário e representação. Nesse jogo simbólico, Capelato & Dutra definem representação como:

 ..a imagem mental mediada, tornada possível, pelo uso dos signos. A relação simbólica entre o signo e o que ele dá a conhecer, é, portanto, uma relação de representação, em que o signo toma o lugar da coisa representada, o que só pode se efetuar com o recurso ao imaginário. (CAPELATO e DUTRA, 2000:228).
...Se der peça-lhes que me traga alguma coisa dos meus discos de música brasileira. livros, por exemplo, os de Celso Furtado, Werneck Sodré, Jorge Amado (Gabriela, Cravo e Canela; Capitães de Areia; Mar Morto; Os Subterrâneos da Liberdade, que são me parece 3 volumes que tem outros nomes. Em qualquer dos livros onde se faz referência à coleção, diz quais são os 3). (Carta datada de 12/06/73, assinada por Ana)



As concepções que construíram as idéias de luta armada no Brasil, durante a ditadura militar, tinham suas referências inscritas em vários acontecimentos e figuras espalhados pelo mundo, cujos conteúdos produziam marcos de sedução e encorajavam as práticas revolucionárias como marchas vitoriosas num futuro próximo. Eram influências que produziam sentidos, elegiam símbolos e lapidavam utopias.



Nessa perspectiva, o Vietnã pode ser mencionado como uma das influências simbólicas para a militância de esquerda armada brasileira, por uma razão também simbólica: a guerra vietnamita enfrentou como inimigo a maior potência mundial, quer financeira, quer militarmente – Estados Unidos da América. Isso levava à crença de que um exército tecnicamente sofisticado e militarmente invencível poderia ser abalado e até derrotado se houvesse união, organização e consciência da população explorada. Os militantes acreditavam, então, que a vontade e a determinação políticas poderiam suplantar as armas dos poderosos. Acreditavam também que a preparação revolucionária e a ação inteligente de um guerrilheiro superariam as técnicas adversárias e/ou inimigas. Acreditavam, sobretudo, na resistência armada como a forma mais revolucionária de continuidade da luta.



É cabível enfatizar que, para os militantes de esquerda, os Estados Unidos da América representavam um símbolo de opressão internacional e de exploração dos povos periféricos. Trechos dos registros de Jane Vanini revelam essa simbologia, cujos detalhes possibilitam compreender a lógica dos repúdios da época:



... e principalmente o nosso inimigo fundamental é o mesmo: o yanque. É o norteamericano que explora todas nossas riquezas: o petróleo, o cobre o café, o gado, o ouro, a cultura, as frutas, tudo enfim. E o norteamericano não nos explora gratuitamente. Nossos governos pagam a êles para que êles venham a explorar nossas minas, nossos operários, nosso cultura, para que levem a matéria bruta para os EUA, pagando uma miséria e nos exportem depois o café solúvel, as peças, as máquinas, enfim caríssimos, o produto acabado. Enquanto isso guardam como reserva a que êles têm nos EUA. Quando nós, os subdesenvolvidos, não tivermos mais nada para oferecer-lhes, então êles ainda terão a sua própria riqueza. Nós? Mas que importa nós, se somos ‘seres inferiores’, meio macacos subdesenvolvidos, que só copiam os costumes dos ‘povos superiores’? (Carta sem data e com assinatura de Jane)



As utopias formuladas e por várias vezes reeditadas pela militância de esquerda não constituiam um ideário de sociedade platônica, na qual pessoas poderiam ser agrupadas pelos interesses estritos da República, porém aproximavam-se da pólis grega ao privilegiar critérios de justiça e abolição das desigualdades sociais. Nos tempos revolucionários do século XX, as bases de pensamento teve seu nascedouro nas formulações teóricas do materialismo histórico, cujos laboratórios experimentais eram o leste europeu, algumas comunidades asiáticas e Cuba. Nessa interpretação, um aspecto vital na configuração do mundo revolucionário era a abolição da propriedade privada que, também para Platão, significava a maior causa dos males sociais.



Para os militantes, o projeto revolucionário, defendendo a igualdade entre homens e mulheres e a não exploração do homem pelas relações de trabalho, resolvia, em grande parte, os conflitos sociais na América Latina. Ter-se-ia, então, um Estado que asseguraria educação, saúde, trabalho, moradia, transporte e alimentação para todos os seus cidadãos. Essa idealização para Jane Vanini e também para outros militantes parecia existir com um grau acentuado de convicção revolucionária, quando a esquerda brasileira “ocupasse” ou “tomasse” o poder:



No começo a luta no Brasil foi fácil obtivemos muitas vitórias e acreditamos que sempre seria fácil. Uma vez no poder expropriaríamos as emprêsas, isto é, sem pagar aos yanques e demais donos ladrões que já tiveram lucro em demasia explorando ao povo, essas emprêsas passariam a pertencer a todo povo. Os lucros seriam para construir casas, hospitais, escolas, comida para todos. É claro que os patrões brasileiros e yanques não gostariam de ficar de uma hora para outra na condição de qualquer outra pessoa. (Carta sem data e assinada por Ana)



Também como símbolo, a Primavera de Praga foi um acontecimento que ganhou visibilidade para além de suas fronteiras européias. As reviravoltas políticas intensificadas em 1968 pareciam reconfigurar um pedaço do mundo socialista. Contudo, os interesses conflituosos que teciam as relações de poderes internacionais, inventariando o mundo entre os sistemas capitalistas e socialistas, levavam uma frente política de partidos comunistas, notadamente o soviético, a intervir contra as inovações políticas da Tchecoslováquia. Entre alguns focos de resistência tcheca e o poderio militar do Pacto de Varsóvia, em nome da solidariedade socialista, a população theca se via impedida de assegurar sua diferença. Mesmo com um desfecho trágico e percebida como crítica às práticas do socialismo real, a Primavera de Praga não deixava de ser uma influência simbólica na fermentação das vivências revolucionárias em outros lugares do mundo, inclusive no Brasil. Ao fazerem o percurso de militante clandestina entre o Brasil e Cuba (1970), Jane Vanini juntamente com Sérgio Capozzi passaram pela então Tchecoslováquia, especificamente em Praga.



Parecia muito forte a necessidade de um militante sentir-se revolucionário. A razão da luta era também a razão da vida. A morte era menor que os signos da revolução. A vontade de lutar se encarnava nesses símbolos. Entre outras referências simbólicas, o médico argentino e guerrilheiro da revolução cubana, Ernesto Guevara de La Sarna - o CHÊ - aparecia quase como uma legenda dessa época. Pelo seu destaque junto às investidas revolucionárias na revolução cubana, sua figura transformou-se em símbolo, mito e paixão. Ele representava um expoente dos movimentos revolucionários na América Latina. Ele não significava, ele era a própria paixão revolucionária! Por ser lido, interpretado, seguido e imitado, ele era também a encarnação da utopia e o encantamento da paixão pela luta!



No movimento destas paixões, Jane Vanini também acalentava seus sonhos, seus ideais e suas ações de militância:



Enfim, eu queria dizer-lhes como o CHÊ: em qualquer que me surpreenda a morte bem vinda seja desde que uma nova mão se estenda para empunhar nosso fuzil e que os cantos lutuosos sejam substituídos pelo repicar da metralhadora e novos gritos de guerra e de vitória. (Carta datada de 15/09/72, sem assinatura)



Ainda em algumas outras cartas da militante pode ser encontrada a expressão Pátria ou morte. Venceremos!, que é criada por Che Guevara e dava sentido às práticas de lutas revolucionárias, uma vez que a difícil sobrevivência, os riscos da clandestinidade e até a própria morte eram incorporados pelos militantes como um projeto político de vida.



Certa vez, algum militante apaixonado escrevera algo mais ou menos assim sobre o Chê: ...o maior guerrilheiro do mundo morto pelo pior exército do mundo. O grau conferido a um como o “maior” e ao outro como o “pior” significava, sobretudo, a dimensão que o mito alcançava e a representação simbólica da luta revolucionária impregnada no corpo, no espírito e nas ações da luta.



Apesar de ser considerado brilhante guerrilheiro e estrategista revolucionário, foi tragicamente assassinado pelos militares bolivianos, mas sua morte seria menor do que sua legenda. (REIS FILHO, 1998:34) Sua heroificação foi cantada e declamada nas ações e emoções dos militantes. O heroísmo do guerrilheiro também suplantava o desastre da luta boliviana.



Para muitas organizações de esquerda, é inegável que Cuba tenha sido o exemplo da experiência revolucionária. A Ilha estava no continente latino-americano, tinha uma revolução socialista vitoriosa recente, enfrentou os Estados Unidos da América, era o país que apoiava diretamente as investidas de luta armada, recebendo militantes perseguidos e treinando guerrilheiros, além das figuras de Fidel Castro - o comandante - e Ernesto Guevara - o Chê, como encarnações da revolução. É o que parece significar os fragmentos das cartas da militante Jane Vanini, a seguir:



Em Cuba a revolução começou na ‘Sierra Maestra’. No continente americano, pelo que tudo indica, começará nos Andes. E os revolucionários do lado de lá e do lado de cá dos Andes costumam dizer que ‘quem terminar primeiro cruza a Cordilheira para lutar do outro lado’. (Carta sem data e sem assinatura).



...Fiquei sabendo que já haviam muitos países socialistas: União soviética, China Vietnam do Norte, Coréia e muitos outros e o que é muito importante, que aqui na América Latina existia um país que era um exemplo de socialismo: Cuba. Pois bem, como os outros alcançou o socialismo, lutando com armas na mão, todo o povo contra uma minoria de privilegiados que tinham de tudo e contra o exército que defendia esses privilegiados. E foi então que eu como muitos outros companheiros pensamos em lutar para implantar o socialismo no Brasil. Em Bolívia estava lutando um argentino que havia lutado em Cuba até a Vitória da Revolução popular e a que se costumava chamar CHÊ. (Carta sem data e assinada por Jane).



É uma pena que não posso lhe mandar alguns livros e revistas de Chile e de Cuba. Aqui se encontra muitas revistas cubanas e é realmente uma beleza o que o socialismo fez lá. Lembra-se dos jogos Panamericanos? Pela primeira vez na história desses jogos os países latinoamericanos em conjunto conseguiram obter mais medalhas que os Estados Unidos. Graças a Cuba, que ganhou muito mais medalhas que qualquer outro país latinoamericano inclusive o Brasil com 100 milhões de habitantes, quando Cuba tem apenas 8 milhões. Tudo isso não pode ser uma coincidência, não é mesmo? (Carta sem data e assinada por Ana).



Percebe-se que a experiência cubana era a grande referência no imaginário dos militantes de esquerda. A interpretação de que um pequeno grupo de militantes obstinados fazia a revolução socialista, como aconteceu em Sierra Maestra, representava a crença e a paixão revolucionária dos grupos de esquerda, na América Latina. Nos relatos acima, é perceptível a ênfase que a militante dispensava ao triunfo cubano em relação aos jogos pan-americanos, destacando que os resultados brilhantes eram frutos de um projeto revolucionário que estabeleceu o fim da dependência cubana de outros países. Pelo espelho cubano, Jane Vanini manifesta ainda que para se chegar ao socialismo o caminho seria a luta armada contra a minoria de privilegiados que tinha de tudo e contra o Exército que defende esses privilegiados.



São todos esses aspectos juntos que motivaram a escolha da luta revolucionária pelos militantes e, em particular, Jane Vanini. Presentes em seus relatos há uma convicção carregada de desejos que se manifestava em suas práticas. Construindo uma identidade para as multiplicidades dos tempos que vivenciou e, ao incorporar as experiências da militância de esquerda armada, ela revelava sua paixão de revolucionar o mundo.



Mesmo sendo cartas familiares, o conteúdo e a forma com que Jane registrou suas experiências de vida revelam traços de uma mulher guerreira e apaixonada pela forma de ser, de fazer e de ver o mundo num tempo tão controvertido. Trabalhar com narrativas de mulheres militantes é marcar/celebrar um encontro com emoções num campo minado de memórias pessoais, subjetivas, afetivas, traumáticas e ao mesmo tempo racionais, experimentadas, de pouca maquiagem, porque assim são os terrenos da memória.



Diferentemente dos relatos de homens, os relatos de memórias de mulheres ex-militantes de esquerda que lutaram contra a ditadura civil-militar são histórias nuas, femininas, que lembram o recado destemido de Ernesto Guevara: “hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamais”. Nas memórias de militância dos homens, temos a sensação que eles estão sempre com tempo esgotado, ou que o passado é uma página surrada do curriculum vitae. Os relatos de mulheres são ternos, desavergonhados, desprendidos de algemas, sem culpas e sem desculpas. A militância foi uma escolha política sim, mas foi, especialmente, uma possibilidade de viver dois ideais políticos dignos de crença: a justiça social e a libertação nacional.



Quando registram o que viveram, essas mulheres transformam em palavras experiências de vida que hoje podem soar como fugidias, que se fragmentaram nas dobras de um tempo descontínuo. Todavia, é um passado delicado, povoado pelos fantasmas da violência, que fragiliza sentimentos, mas que enobrece, especialmente, a estética da própria dignidade. As narrativas das vivências da militância por mais subjetivas que sejam colocam em relevo um passado histórico que luta incessantemente contra um proposital silenciamento da recente memória política brasileira. Essa também é a história de Jane Vanini que não sobreviveu à brutalidade das ditaduras militares espalhadas pela América do Sul, entretanto sua família presenteou os leitores oportunizando o acesso aos escritos dessa ex-militante que seduzem pela estética de ser e de dizer a vida.



Buscando em Hegel o conceito de paixão, Lebrun afirma ser aquilo “que dá estilo a uma personalidade, uma unidade a todas as condutas... é então constitutiva de um personagem – mas sem transformá-lo num maníaco, num ‘apaixonado’...” (LEBRUN, 1987:23). Nessa perspectiva, é cabível perceber a paixão revolucionária como um movimento da alma que toca os afetos e conduz as emoções e as atitudes. Elas, as paixões, permeiam as práticas políticas e aparecem entremeadas com sofrimento e prazer, com encantos e desencantos, porém são aspectos da natureza humana que devem passar pela compreensão e não pela condenação

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Rir, ainda é o melhor remédio .. rs

Agora Já Sei - Ivete Sangalo

Duvidava não entendia
Quando alguém me falou
Suspirava, que agonia
Pra sentir esse amor

Tempo, mestre de todas horas e dias
Passou sem ver
Te amar de verdade, sentir saudade
Mas só de você, só de você
Agora eu já sei
Quando falta a respiração
É a prova que um coração
Já não sabe mais viver sem você
Agora eu já sei
Que me falta sempre a razão
Traduzir melhor na emoção
Do que trago aqui, bem dentro de mim
Dentro de mim...
Duvidava, não entendia
Quando alguém me falou
Suspirava de agonia
Pra sentir esse amor
Tempo, mestre de todas horas e dias
Passou sem ver
Te amar de verdade, sentir saudade
Mas só de você, só de você
Agora eu já sei
Quando falta a respiração
É a prova que um coração
Já não sabe mais viver sem você
Agora eu já sei
Que me falta sempre a razão
Traduzir melhor na emoção
Do que trago aqui, bem dentro de mim
Agora eu já sei
Quando falta a respiração
É a prova que um coração
Já não sabe mais viver sem você
Agora eu já sei
Que me falta sempre a razão
Traduzir melhor na emoção
Do que trago aqui, bem dentro de mim
Dentro de mim...
E eu que duvidava e não sabia
Que esse verdadeiro amor chegou
Verdadeiro amor chegou
Verdadeiro amor.

Expressões Populares ...


Conheça a origem de algumas expressões populares que, certamente, você ouviu, ou até mesmo as pronúnciou. Leia-as e surpreenda-se!!
Dicas do Profº Pasquale.
Vejamos as frases: 

‘Cuspido e escarrado’ – quando alguém quer dizer que é muito parecido com outra pessoa. O correto é: ‘Esculpido em Carrara .’ ( Carrara é um tipo de mármore)

`Batatinha quando nasce, esparrama pelo chão.O correto é: ‘ Batatinha quando nasce, espalha a rama pelo chão.’

‘Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho carpinteiro’ Correto: ‘Esse menino não pára quieto, parece que tem bicho no corpo inteiro’ . 

‘Cor de burro quando foge.’ O correto é: ‘Corro de burro quando foge!’ 

‘Quem tem boca vai a Roma.’ O correto é: ’Quem tem boca vaia Roma.’ (isso mesmo, do verbo vaiar, dá para acreditar?). 

‘Quem não tem cão, caça com gato.’ O correto é: ‘Quem não tem cão, caça como gato… (ou seja, sozinho!)

O Filho que eu quero ter ...


É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer

Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr
E assim, chorando, acalentar
O filho que eu quero ter

Dorme, meu pequenininho
Dorme que a noite já vem
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem

De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar
Quando eu chegar lá de onde vim

Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim

Dorme, menino levado
Dorme que a vida já vem
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu

E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz a me embalar
Num acalanto de adeus

Dorme, meu pai, sem cuidado
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter.


Obs.: Obra-prima de dois grandes compositores/poetas/escritores/cantores e acima de tudo, seres humanos: Vinicius de Moraes e Toquinho.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Ontem e amanhã ...



Hoje vou apagar do meu calendário dois dias:

Ontem e amanhã!
Ontem foi para aprender!
Amanhã será uma conseqüência do que posso fazer hoje...
Hoje enfrentarei a vida com a convicção de que este dia nunca mais retornará.
Hoje é a última oportunidade que tenho de viver intensamente...
Hoje terei coragem para não deixar passar as oportunidades que se apresentam, que são as minhas chances de triunfar!
Hoje vencerei cada obstáculo que surgir no meu caminho!
Resistirei ao pessimismo e conquistarei o mundo com um sorriso...
Com uma atitude positiva...
Esperando sempre o melhor!
Hoje usarei o tempo para ser feliz!
Se você carimbar em si mesmo a idéia de que as coisas são difíceis, provavelmente elas serão.
Quando se repete continuamente 'eu não posso' ou 'eu não vou conseguir', as chances de que isso realmente aconteça são bem grandes. portanto, para permanecer longe da influência dos comentários e visões pessimistas dos outros, ative o seu potencial otimista.
Uma pequena chama em uma sala escura é muito mais forte do que toda a escuridão.


(autor desconhecido) 
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